Bebeto, Piquet, Quarteto, Quarteto, carregador com cebola

31/01/2025

Em novembro de 2023 fiz uma viagem de três semanas à São Paulo para um trabalho presencial em uma produtora de VFX da cidade. Um dia antes eu havia participado de uma video chamada na qual a pessoa no RH da produtora me perguntou: "Alex, você estaria disposto a vir para Sampa participar desse projeto conosco amanhã?".

Okay, Me deixem contextualizar para vocês. Eu preciso de rotinas e de previsibilidade. Eu faço praticamente as mesmas coisas e da mesma forma todos os dias, de preferência no meu lugar de segurança favorito que é a minha própria casa. Sair não me parece boa ideia sequer quando preciso ir à um mercado, mas faço, por pura exigência da situação. Então "viajar até Sampa no dia seguinte para retornar três semanas depois" é quebrar completamente minha rotina e o meu… digamos… safy way of life.

Mas a vida de artista freelancer tem dessas coisas, e nessa ocasião juntou-se a conta bancária no vermelho com a urgência do estúdio para o qual eu estava trabalhando, o que não me deixou outra alternativa a não ser aceitar a convocação, e para lá eu voei.

Após uma semana de trabalho em Sampa, eis que chegamos ao primeiro fim de semana. No sábado pela manhã eu acordo tarde e começo a passar o tempo no celular, nas redes sociais, até que em certo momento aparece a mensagem…

"15% de bateria".

Ora, esses quinze por cento costumam durar cinco minutos por que a bateria do meu aparelho já estava ruim e desse ponto ela desabava. Okay, hora de recarregar. Procuro o carregador e… 

- "Cadê? Putz! Ficou na produtora!"

Bate o desespero! Sem bateria não posso pedir Uber para trabalhar, nem Ifood para comer, nem falar com minha família em Manaus, ou sequer me localizar por que nem endereços e telefones eu sei sem o celular. "Rápido, Alexandro! Você tem cinco minutos pra fazer algo antes de ficar sem celular em São Paulo".

Sério! Teria coisa mais desesperadora para alguém que ficar sozinho e sem comunicação na maior cidade do país, onde não conheço nada?

- "Já sei! Vou pedir um Uber até a produtora! Mas e se chegando lá eu não encontrar meu carregador? Rápido! Pensa! 10% de bateria. Pensa! Pensa! E agora? Melhor perguntar na portaria se tem mercado ou shopping aqui por perto" - pensava já com o coração explodindo e a ansiedade e pânico querendo sorrir pra mim.

Saindo do quarto, antes de bater a porta, eu lembro: "Meu Deus! Não sei a senha da porta! Sem celular como vou ver a senha para voltar ao quarto?". Olho a senha: 978344. Preciso memorizá-la urgentemente, mas eu nunca memorizo números tão facilmente! A bateria está acabando e eu preciso fazê-lo em trinta segundos! Como? Pensa! Pensa! Já sei! Preciso associar com alguma coisa. Vamos lá!" – Já começava a suar e sentir o rosto esquentando!

Comecei a tentar desmembrar o número em partes! Talvez eu conseguisse associá-las à algo!

"978344. 97... 97... 97... 97... FIFA 97! O primeiro jogo de futebol com mocap que comprei, o pior, com o Bebeto na capa".

"83... 83... 83... 83... 83... NELSON PIQUET! Ele foi campeão de Fórmula-1 em 1983".

"44... 44.. 44... pensa pensa pensa 44... 44... não vem nada! 44... 44... QUARTETO Fantástico. Foda-se, não dá tempo de pensar em nada melhor".

A senha é BEBETO, PIQUET, QUARTETO QUARTETO. Ótimo, sou muito melhor para lembrar símbolos e imagens que números.

Entro no elevador e um senhor me cumprimenta: "Boa tarde".

Chego na portaria, mas minha bateria não vai durar suficiente pra eu andar usando GPS atrás de um lugar, fosse um mercado, shopping ou o que me valesse. Não consigo raciocinar! O pânico já começa a se instaurar em mim. Preciso voltar paro o quarto e procurar de novo o carregador. Minha única solução seria encontrá-lo onde eu ainda não o houvesse procurado. Entro no elevador e cruzo novamente com o mesmo senhor. Ele dá um sorriso. "Boa tarde".

Procuro o carregador no quarto e não o encontro.

- "Droga! Está mesmo na produtora! Cinco por cento de bateria. Droga! Droga! Vou me ferrar. Pensa! Pensa! IFood! Se tiver carregador no iFood?".

5% de bateria. A tela perde luminosidade. Em um aparelho novo isso me daria ainda alguns minutos de uso, mas no meu, sei por experiências anteriores, não tenho muito mais que dois ou três minuto até a escuridão total.

Quem teria a ideia de procurar um eletrônico no iFood? Alguém em desespero, talvez? Procuro e incrivelmente encontro. Três tipos de carregadores: iPhone, V8 e tipo C.

- O meu é V8 ou tipo C? – me questionei - Não sei. Não dá tempo de descobrir.

- "Dois por cento! Rápido! faz o pedido" – gritava a voz do desespero na minha cabeça. O pagamento é por PIX e preciso abrir o APP do banco. Demora, mas abre, pago o PIX, volto pro iFood e recebo uma mensagem de "pedido aguardando confirmação" ou algo assim.

No iFood havia uma caixa de texto perguntando se o pedido seria sem cebola. QUEM PEDE CARREGADOR COM CEBOLA?

A bateria acaba e o telefone desliga.

- "E se o pedido for cancelado? Se o produto estiver indisponível? Que horas chega? Não sei! Não tenho como ter qualquer informação a respeito de nada. Estou às cegas, torcendo apenas para que minhas ações providenciais surtam efeito, ou então... 

Imagino que foi assim que os astronautas se sentiram na Apollo 13. Vou esperar na portaria.

Pego o elevador e o mesmo senhor, já de banho tomado, cruza comigo novamente. Ele ri e diz: 

- Se houvéssemos combinado não nos cruzaríamos tantas vezes. 

Eu lhe conto brevemente minha situação e ele se espanta quando digo que pedi um carregador de celular pelo iFood. Com cebola, já que não mandei tirar.

Chego na portaria e aguardo quinze minutos. Um motoboy chega, olha pra mim e diz "Alexandro?". "Sim", respondo. "Sabia! Você tem cara de Alexandro". O que quer dizer isso? Ninguém nunca me disse que tenho cara de Alexandro! Foda-se! Só quero o carregador. O meu é V8 ou tipo C? E se não entrar? Ali mesmo rasgo a caixa e plugo. Entrou! Alívio!

Pego o elevador. O mesmo senhor novamente, pela quarta fez. Nós rimos.

- Conseguiu o carregador? – perguntou ele.

- Sim! Deu certo pelo iFood!

- Pelo iFood? – Perguntou com os olhos do tamanho de duas laranjas, e quase soltando uma gargalhada.

- Sim! – Respondi até enfraquecido de tanto alívio.

- Nossa! Que coisa!

- Pois é! Quem diria?

Abre a porta do elevador e eu desço me despedindo pela quarta vez. Corredor errado, veja só! Alguém apertou naquele andar e eu desci no andar errado. "Droga!". Resmungo. Vou pro outro elevador e aperto o botão de chamada mais uma vez. Abre a porta e o mesmo senhor novamente! Ele também havia errado o andar!

- AHAHAHA! SEN-SA-CI-O-NAL! Gargalha com vontade o senhor, dessa vez não se contendo por termos nos encontrado cinco fucking vezes no elevador em um período de tempo tão curto.

Chego na porta do meu quarto e digito a senha que decorei. BEBETO, PIQUET, QUARTETO, QUARTETO.

Contando a aventura para amigos e familiares dias depois recebi deles o mesmo questionamento: "por quê você não pediu ajuda ao senhor? Ele não poderia ter um carregador para emprestar?". Minha psicóloga não se segurou e fez a mesma pergunta.
Eu não sou bom… aliás… eu sou péssimo em pedir ajuda à qualquer pessoa. Na verdade, sendo o mais sincero possível, eu nunca peço ajuda à absolutamente ninguém. Por muitos anos acreditei que isso fosse algo a ser tratado em terapia, provavelmente fruto de alguns traumas de situações que sei ter passado na infância. Depois do diagnóstico do TEA percebi que há muito dessa característica também dentro do espectro, da dificuldade em olhar para alguém próximo e acreditar que posso pedir ajuda.